12-07-2010 22:51

Um soldado não é um polícia

por ANTÓNIO BERNARDO COLAÇO

      Têm vindo a causar perplexidade alguns posicionamentos recentes no sentido de se confiar às Forças Armadas (FA) a segurança interna do País. Uma tal proposta assenta em diversas perspectivas entre as quais, pelo relevo que assumem, cabe referir duas: sustenta-se que os fenómenos de criminalidade internacional, o tráfico de drogas e o terrorismo requerem um combate mais estratégico, qualificado e eficaz. A este acresceria um outro de índole economicista com abrangência do sector industrial e empresarial. Nesta óptica, assumido que as FA e as Forças de Segurança (FS) são dois macro-consumidores de armamento e material securitário, bastaria concentrar apenas nas FA as funções de defesa e de segurança, assim ficando a defesa a abranger a segurança em toda a sua amplitude - a externa e a interna. Para facilitar as coisas, certas individualidades com responsabilidade institucional ou como opinion makers propunham mesmo uma alteração da Constituição para ser contemplado esse papel inovador para as Forças Armadas. Advogavam para o efeito a alteração do título X da Constituição substituindo a expressão "Defesa Nacional" por "Segurança Nacional".

     O insólito deste projecto foi tão flagrante que levou o ministro de Administração Interna logo na abertura do 1.º Congresso sobre a Segurança e Defesa - iniciativa de Revista Segurança e Defesa e da AFCEA (Associação para as Comunicações e Electrónica das Forças Armadas) -, a assegurar que nenhum motivo válido existia para uma alteração da Constituição, já que esta continha as virtua- lidades para assegurar a intervenção das FA em matéria se segurança interna e com as forças de polícia. Estava seguramente este membro do Governo a referir-se às situa- ções de guerra, de estado de sítio, de estado de emergência e de calamidade pública, bem como ao ditame decorrente do n.º 6 do artigo 275.º em matéria de colaboração e cooperação fora do estrito âmbito da acção militar directa.

    Deve dizer-se que a visão securitária advogada pelos defensores da alteração constitucional é, no mínimo, desprestigiante para as FS do País. É sabido como, estas, em geral, e a PSP e GNR, em especial pela visibilidade da sua acção preventiva de fardados, se têm esforçado por manter a ordem e tranquilidade públicas, sustentando a segurança dos cidadãos e perseguindo, tanto quanto possível, toda a espécie de criminalidade - a transnacional, a organizada e a formigueira. Se melhores resultados não tem apresentado, é-o pela exiguidade de meios adequados e suficientes para o exercício das suas funções, aspecto este sistematicamente denunciado pelas respectivas associações representativas de classe policial. Não existe aliás qualquer indicador em como as FA, até pela preparação específica e especial em que são treinados, estejam mais vocacionados para a cata à criminalidade sofisticada ou violenta, que as FS. Neste contexto, cabe formular aqui uma pergunta: se algo vai mal neste domínio, porque não pensar primeiro em apetrechar convenientemente as FS, antes de se optar pelas FA?

    Um soldado não é um agente policial. Em tempo de paz, na ordem interna, não é indiferente ao cidadão ser abordado no quotidiano por um militar ou por um policial. Este tem uma preparação técnico--táctica em matéria de prevenção e repressão criminais, a que, por via de princípio, um militar é alheio.

    Em sede apreciativa, nada há a apontar contra a gestão racionalizada da produção armamentista. O que se contesta é que a Defesa Nacional e a Segurança Interna, enquanto valores perenes de uma sociedade, possam variar ao sabor de voluntarismos políticos ou conceitos de oportunidade e, menos ainda, em razão de condicionantes economicistas.

    São grandezas que preexistem à génese de um Estado, dando origem a formações distintas quan- to à sua salvaguarda, por distin- tos serem os objectivos que visam - às FA, a eliminação do inimigo e assegurar a paz e, às FS, manter uma segura vivência quotidia- na de pessoas e de instituições nacionais.

 

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